Quarta, 04 de Dezembro de 2024

Museu Ferroviário de Paranapiacaba se encontra em estado de abandono

Peças únicas, carros e vagões que contam como a economia brasileira se desenvolveu estão irreconhecíveis e, com o passar do tempo, recuperação fica cada vez mais difícil
Por janete ogawa
3 de dezembro de 2024 - Fonte: Diário do Transporte

Num país sério, que reconhece e valoriza sua história, isso jamais aconteceria.
O Diário do Transporte esteve no domingo, 1º de fevereiro de 2024, no Museu do Funicular (Museu Ferroviário de Paranapiacaba) e constatou o estado de abandono em que está o espaço, com a estrutura em mau aspecto, muito mato em volta, limo e plantas de umidade nas paredes. As peças únicas como ferramentas, carros ferroviários e vagões em tamanha degradação que estão irreconhecíveis.
Não bastasse isso, um galpão ao lado da antiga área de manutenção dos trens na época de ouro da ferrovia desabou parcialmente e foi interditado pela Defesa Civil.
E para ver todo este abandono, ainda é necessário pagar: R$ 14.
A conservação da Vila histórica é da Prefeitura de Santo André, mas do museu em si, é da ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária). Já a área ao entorno é da concessionária de trens de carga, MRS Logística.
De acordo com o site da própria ABPF, a associação se classifica como “entidade civil sem fins lucrativos de cunho histórico, cultural e educativo, que é reconhecida como OSCIP – Organização Social de Interesse Público (publicado no D.O.U. de 24 de dezembro de 2004)”.
A ABPF ainda diz no site que sua missão é “promover a conservação do patrimônio histórico ferroviário brasileiro, disponibilizando os bens à visitação pública, desde que a conservação dos mesmos não seja colocada em risco”.
Mas não é isso que é visto no Museu Funicular.
Na entrada, a cobrança de ingresso é feita numa cabine e não são aceitos cartões de crédito ou de débito. Só dinheiro ou PIX.
O local tinha dois guias, ocupados com dois grandes grupos de visitantes e a atendente da cabine sequer disse que havia estes profissionais no espaço. O único comunicado que fez é que estava sem trocado para pagamento em notas maiores.
Para chegar ao primeiro galpão, a área estava com mato alto e quase sem nenhuma sinalização. Havia muitos mosquitos.
Não havia controle dos ingressos. Não foi necessário apresentar os bilhetes a ninguém.
Neste galpão, onde funcionava a oficina dos trens, há um monte de peças de manutenção enferrujadas, empoeiradas e colocadas sem contexto ou descrição. Não dava para saber o que significavam.
Uma caixa de vidro onde fica uma maquete que explicaria como era a descida dos trens pela Serra do Mar por meio do sistema funicular (com cabos e máquinas fixas) estava tomado por limo e poeira. Não dava para ver praticamente nada.
No meio havia uma mesa, jogada aleatoriamente. Quem não conhece a história nem daria valor, mas é uma das peças mais preciosas do Museu.
Era a mesa do “Carro Fúnebre”, um vagão onde eram realizados velórios de ferroviários e familiares enquanto o trem seguia para Santos (SP), no litoral. Neste móvel eram colocados os caixões.
Este carro ferroviário está em outro galpão ao fundo do espaço.
O veículo está completamente deteriorado, sem as cadeiras, poltronas de passageiros e lustres que ainda poderiam ser vistos há alguns anos. A mesa dos caixões deveria estar dentro dele e não no meio do galpão entre as ferramentas da oficina.
O carro fúnebre, feito de madeira, é de 1907 e foi fabricado pela empresa inglesa que com Barão de Mauá (Irineu Evangelista de Sousa) implantou a primeira ferrovia paulista (Santos – Jundiaí), a SPR (São Paulo Railway Co).
Mas há outros trens, carros e veículos ferroviários raros e em abandono evidente.
Um deles é o “Trem do Imperador”, “vagão” de madeira de lei que era exclusivo para uso de D. Pedro II.
Não é uma réplica. É o original.
O carro de Dom Pedro II foi fabricado pela São Paulo Railway Co. em 1879.
O veículo possuía luxo interior, com cama, sofás, cadeiras, sanitário e um dos destaques de sua beleza eram pequenos vitrais em tons azuis sobre as janelas. Nada disso mais está conservado.
À frente está locomotiva a vapor tipo Decauville produzida pela Kerr & Stuart Co. de London/Stoke, em 1907. A situação é crítica também com grandes áreas de ferrugens.
Logo na entrada da área de trens do museu está o “Locobroque”, certamente um dos modelos de locomotivas mais importantes da história ferroviária do Brasil.
Mas no Museu Funicular estava apenas como um amontoado de ferro, consumido pela ferrugem, com lixo e até com mato alto dentro.
O Diário do Transporte já citou o Locobreque ao retratar a história de Romão Justo Filho, um maquinista que, em 29 de julho de 1956, evitou um acidente de trem e salvou a vida de dezenas pessoas.
Relembre:

HISTÓRIA: Paranapiacaba e um modesto herói da ferrovia


O trem Locobreque, fabricado entre 1900 e 1901, é um tipo de locomotiva a vapor, que possui uma tenaz desenvolvida para engatar num cabo de aço instalado nos trilhos e receber o esforço de tração, movimentando o conjunto de vagões em ferrovias com grande inclinação. No Brasil, foram implantadas pela São Paulo Railway (SPR), para operação na Funicular de Paranapiacaba. A SPR adquiriu 20 locobreques para operar no novo sistema, sendo:
– 12 unidades produzidas pela empresa britânica Kerr, Stewart & Co., fabricadas em 1900, procedentes de Stoke-on-Trent;
– 08 unidades produzidas pela empresa britânica Robert Stepheson & Co., fabricadas em 1901, procedentes de Newcastle e Darlington.
Do lado de fora do galpão, há, também em abandono, o Serra Breque, um modelo anterior ao Locobreque, da chamada Serra Velha, primeiro sistema de trens entre Santos a Jundiaí que funcionou de 1867 a 1901.
Fabricado em madeira, está com várias tábuas podres ou faltando. As peças em ferro já não mais existem e o mato tomou conta.
Outros trens históricos estão irreconhecíveis de tão degradados, como um carro (vagão de passageiros) de madeira com o símbolo da RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A., empresa pública do Governo Federal que sucedeu a SPR), que está completamente destruído e amontoa lixo, mato e mosquito.
Há também um trem guindaste e um trem ambulância (ambos de ferro, tomados pela ferrugem e praticamente destruídos). No local, se encontra também o chamado Trem Estrela, todo prateado, mas sem brilho, mal conservado e sem o glamour da época em que era um carro de luxo. O veículo foi fabricado em 1937.
O Diário do Transporte procurou a ABPF, a MRS Logística (concessionária dos trens de carga e responsável pelo entorno) e a prefeitura de Santo André.
A prefeitura informou que não é responsável nem pelo entorno do local, nem pela estrutura e as peças do museu.
Em nota ao Diário do Transporte também, a ABPF informou que aguarda o resultado de uma Ação Civil Pública sobre custeio do reparo de trens e prédios. A entidade também diz que aguarda respostas de órgãos públicos de preservação do Patrimônio sobre dois projetos em Paranapiacaba. A ABPF também, na resposta, diz lamentar que as análises de órgãos relacionados ao patrimônio histórico ainda sejam processos morosos.
Veja na íntegra a resposta:
Nós da ABPF após um tempo aguardando a solução da ACP (Ação Civil Pública) movida pelo Ministério Público Federal de São Bernardo do Campo/SP ao qual executaria a SPU (Secretaria do Patrimônio da União) e União para o custeio do restauro dos prédios e materiais rodantes, infelizmente sem solução, decidimos realizar os projetos de maneira gradativa com recursos próprios.
Assim, apresentamos dois projetos iniciais junto aos órgãos de patrimônio da União, Estado de São Paulo e Santo André/SP, estamos aguardando aprovação para início das obras.
Assim que liberado, quando se der início aos trabalhos teremos o prazer de anunciar na mídia o andamento do restauro e manutenção do acervo existente em PNP (Paranapiacaba). Demonstrando assim nosso compromisso com a história ferroviária nacional.
Infelizmente a análise e aprovação dos órgãos são morosos, afetando e muito a conservação. Não enveredamos esforços para preservar e manter enquanto não temos uma aprovação.
BREVE HISTÓRIA:
O Brasil deve muito à Paranapiacaba e a à primeira ferrovia paulista que tem a história desrespeitada pela condição em que se encontra o Museu Funicular (Museu Ferroviário de Paranapiacaba).
A Vila de Paranapiacaba e o Museu Funicular contam a história da primeira ferrovia de São Paulo que foi idealizada pelo investidor Irineu Evangelista de Sousa (Barão de Mauá) que conseguiu participação de capital inglês para a ligação entre Jundiaí, no interior de São Paulo, e Santos, no litoral, passando pela cidade de São Paulo, com o objetivo de escoar para o Porto a produção de café. Mas ao longo da ferrovia, ocorreu o desenvolvimento econômico de outras atividades e também urbano. Paranapiacaba em tupi significa “lugar de onde se avista o mar” por ser o ponto mais alto da Serra do Mar e de onde pode ser avistada parte do litoral – inclusive praias e mar). Paranapiacaba inicialmente abrigou os operários que construíram a a estrutura e depois toda a direção da empresa que implantou a primeira ferrovia paulista, a (SPR The São Paulo Railway Company Ltd). Em 1859, Barão de Mauá convenceu o governo imperial brasileiro da importância da ligação. O próprio Barão de Mauá contratou profissionais para estudarem como tornar realidade a implantação da ferrovia que tinha um desafio grande inicial: vencer as inclinações da Serra do Mar.
Para o desafio topográfico, o nome escolhido foi um dos maiores especialistas do mundo à época, o engenheiro ferroviário da Grã-Bretanha, James Brunlees.
A execução do projeto foi de responsabilidade do também engenheiro ferroviária britânico Daniel Makinson Fox, que já havia atuado na construção de importantes ferrovias na Europa.
Fox definiu que o modelo mais adequado seria a construção de quatro declives na Serra do Mar em cinco patamares. Cada declive teve ao seu final num patamar de 75 metros e com inclinação de 1,3%.
A aprovação desse projeto deu origem oficial à SPR (The São Paulo Railway Company Ltd.), que operou os 139 km da linha Santos-Jundiaí entre 1867 e 1946.
O Diário do Transporte procurou a ABPF, a MRS Logística (concessionária dos trens de carga e responsável pelo entorno) e a prefeitura de Santo André.
A prefeitura informou que não é responsável nem pelo entorno do local, nem pela estrutura e as peças do museu.
O Diário do Transporte já citou a memória de Paranapiacaba ao retratar a história de Romão Justo Filho, um maquinista que, em 29 de julho de 1956, evitou um acidente de trem e salvou a vida de dezenas pessoas.
Relembre:

HISTÓRIA: Paranapiacaba e um modesto herói da ferrovia


Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes

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